Quero contar-vos a história de um rio.
Era um rio novo, cheio de energia, capaz e mais que capaz de
cavar olas no fundo de cada socalco fragoso. Era um rio límpido e cheio de
vida, capaz e mais que capaz de distribuir águas a uso. Era um rio ativo, capaz
e mais que capaz de se juntar a outros e fazer um rio maior, tão novo, tão
límpido e tão ativo como todos os que lhe deram o ser.
– Vem mover-me! – pediu a mó do moinho.
O rio disse que não. Que as suas águas não haveriam ser
retidas por paredes de pedra, conduzidas por canais apertados e mais que isso,
ceder a força das suas águas a umas pás de roda que não eram de sua natureza.
E nesta recusa seguiu o seu caminho cavando terras, polindo
saltadoiros, lavando lajes escoando-se aqui e ali por agueiras e regueiros
mínimos, desvios vários e sangradouros um pouco mais notados. Foi sugado por
mangueiras e condutas ocasionais, ora aqui, ora ali, discretamente e sem
aleijar, à medida de ir abastecendo canais e redes, na certeza e convicção da
mais pura liberdade e de nunca ser um rio conduzido a um fim ou propósito.
E de que se esqueceu este rio?
De que as suas águas, depois de se envolverem na certeza
útil do movimento assinalado pelo som da “tramela” regressariam à antiga
liberdade, tão enérgicas, límpidas e ativas como já o eram.
(texto publicado também no Facebook, nesta mesma data.)