segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Um Guiço

Já, no outro Inverno, tinha passado um mau bocado.
As geadas e as neves apanharam-no desprevenido. E foi-lhe muito difícil fazer nascer umas tímidas folhas, para saudar o sol quente do Verão.
Se a Primavera tem vindo boa, outro galo cantaria, mas assim, sem tempo para recuperar a sua antiga força, viu-se definhar, e aos últimos ventos do Outono, Zás... uma rajada mais forte... e foi vê-lo tombar.
Primeiro, encostou-se sobre os irmãos, pendeu, balançou, rodopiou sobre si mesmo e despenhou-se, vindo estatelar-se em ruído num chão das folhas velhas.
No bosque é assim. Não foi o primeiro, nem será o último dos ramos a desprender-se da copa, para se juntar ao tapete castanho de folhas que cobre o chão.
Como poderiam nascer os cogumelos?
Não se sentiu muito confortável nesta posição.
Assim tombado, não tinha as vistas de antigamente e sentia que, do seu corpo se ia soltando a casca, aos poucos e poucos, retirada por uma ou outra formiga mais atrevida, por uma ou outra larva a crescer nas suas pregas. Sentia desprenderem-se as pontas dos seus guiços mais finos e, com elas, o que lhe restava de vida.
Não tinha as vistas nem a companhia...
É que, com os outros, lá no cimo do carvalho, sempre ia sussurrando ao ritmo das brisas e ia conspirando com os pássaros que nele poisavam. Comigo mesmo, tinha tido longas conversas de lusco-fusco, que um dia vos hei-de contar.
Sentiu-se estremecer, estalou a sua madeira, viu-se arrancado ao sossego e à terra e arrastado pela folhagem.
Só passado o primeiro espanto percebeu que era arrastado por um garoto, um garoto, que não podendo com o seu peso, fazia um grande esforço por o puxar.
Apetecia-lhe gritar – Ei! Moço! Vê lá o que fazes!
Mas de que serviria. As pessoas não entendem as palavras dos ramos...nem das árvores!
E assim deixou-se arrastar.
De momento a momento o garoto parava, esfregava as mãos uma na outra, juntava mais um raminho ao braçado junto ao peito e recomeçava a caminhada e o arrasto do ramo grande.
Anoitecia e o céu cinzento começara a desprender-se das alturas, desfazendo-se em pedacinhos de branco que poisavam no chão e na camisola do menino, a tudo dando um aspecto diferente, alvo e frio.
O garoto tremia, acelerava o passo, parava e andava, esfregando as mãos a cada paragem, até parar à frente de uma casa no limite do bosque.
Largando os ramos, entrou a gritar – Mãe, mãe... esta noite não vamos ter frio!
Voltou a sair, transportou os ramos para dentro e acomodou-os no centro de uma sala escura e húmida.
Juntou os ramos bem juntinhos e fez deles uma fogueira.
Tenho a certeza que o ramo grande chorou, (que naquela noite vi lágrimas brilhantes a sair da telha vã daquela casa... e que não se confundiam com os flocos de neve!) e não foi por ter ardido!
Chorou porque, nessa noite, aquela casa não foi fria, nem húmida, nem escura. E porque o menino se sentou à sua beira e disse para a sua mãe:
– Assim já parece Noite de Natal.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

História de um rio


Quero contar-vos a história de um rio.
Era um rio novo, cheio de energia, capaz e mais que capaz de cavar olas no fundo de cada socalco fragoso. Era um rio límpido e cheio de vida, capaz e mais que capaz de distribuir águas a uso. Era um rio ativo, capaz e mais que capaz de se juntar a outros e fazer um rio maior, tão novo, tão límpido e tão ativo como todos os que lhe deram o ser.
– Vem mover-me! – pediu a mó do moinho.
O rio disse que não. Que as suas águas não haveriam ser retidas por paredes de pedra, conduzidas por canais apertados e mais que isso, ceder a força das suas águas a umas pás de roda que não eram de sua natureza.
E nesta recusa seguiu o seu caminho cavando terras, polindo saltadoiros, lavando lajes escoando-se aqui e ali por agueiras e regueiros mínimos, desvios vários e sangradouros um pouco mais notados. Foi sugado por mangueiras e condutas ocasionais, ora aqui, ora ali, discretamente e sem aleijar, à medida de ir abastecendo canais e redes, na certeza e convicção da mais pura liberdade e de nunca ser um rio conduzido a um fim ou propósito.
E de que se esqueceu este rio?
De que as suas águas, depois de se envolverem na certeza útil do movimento assinalado pelo som da “tramela” regressariam à antiga liberdade, tão enérgicas, límpidas e ativas como já o eram.

(texto publicado também no Facebook, nesta mesma data.)

terça-feira, 17 de maio de 2011

Cangosta do Estêvão

"...

– Ó tio Luís! – perguntou o pegureiro – Vossemecê viu aí na Agra da Cruz uma cabra?
– Não a vi, rapaz, mas ouvi-a berrar lá para o rio. Mete aí pela cangosta do Estêvão, e vai pela beira do rio abaixo que a topas lá para a Várzea das Poldras ou na Ínsua.
– Está mesmo indo... – interveio a tia Brites. – Boa hora é esta para um rapazinho se meter à cangosta do Estêvão!
– Então que tem? – Que tem?! Vai perguntá-lo à Zefa do João da Laje que ficou lá tolhida uma noite, e nunca mais teve saúde.
..."

Bom... não parece que se tivesse visto, nesta noite, a cabra nem outra coisa qualquer que levasse ninguém a tolhimento ou a cisma... que se saiba, claro! Nem tampouco se soube que tivesse vindo a caminho qualquer alma de outro mundo ou lobisomem.

Mas sei, de fonte segura, que houve gente que não se botou a caminho sem que levasse consigo um enxotador de mais encontros, assim fingido de amparador de passos.
– Para que é o marmeleiro, ó Zé?
– Ando mal dum joanete e a vara ajuda.

Parece que em surdina alguém referiu que ainda não se tinha visto que o Zé mancasse, neste trilho, entre Landim e Seide, em companhia de Camilo Castelo Branco, recordando “Novelas do Minho”, na noite de Sábado, 14 de Maio.

https://picasaweb.google.com/jlfpimentel/14DeMaiDe2011DeLandimASeide?authkey=Gv1sRgCLS24qS9yIm4Bg&feat=email#

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Civilidade... à portuguesa

Hoje mesmo, no parque de estacionamento de um supermercado, assisti à cena.
Um automóvel estaciona em lugar reservado a pessoas portadoras de deficiência e, do mesmo, sai um casal com uma criança.
Um outro utente do parque interpela-os chamando a atenção para o facto de terem estacionado em lugar impróprio e mostra-lhes mesmo que poderiam ocupar um lugar muito próximo que nesse momento estava a vagar. Obteve resposta… Esta resposta… da, aparentemente, senhora:
 Olhe! Chame a polícia.
Que poderia o cidadão fazer? … Este encolheu os ombros e sorriu.
E eu, de longe, pensei nos princípios por que se hão de reger a acção e o ser dessa família e nos valores que transmitirá à criança que eu vi. E entre estes pensamentos formulei meu derradeiro desejo de Ano Novo:
Que o novo ano dê a Portugal um novo Povo.

sábado, 9 de outubro de 2010

Dia do Professor

Com as comemorações da Implantação da República, ainda mais este ano (o ano do Centenário), o Dia do Professor tem que se contentar com um cantinho noticioso, uma citação ou, quando muito, uma crónica em página de opinião.

Nas escolas fica meio esquecido entre o antever e o rever o Dia da República e os professores vão para casa, no dia 4 de Outubro, com a ideia de que os seus alunos poderiam ter ouvido dizer que o dia seguinte seria “Dia Mundial do Professor” e porque razão o Director-Geral da Unesco, em 1994, declarou o dia 5 de Outubro, como tributário aos professores.

Este ano, a Fenprof decidiu comemorar o dia em duas acções (Hoje, em Lisboa e no próximo sábado, no Fundão) sob o tema “Os Professores, Em defesa da Escola Pública”.

E eu, na impossibilidade de estar presente, comemorei-o à minha maneira: Corrigi alguns trabalhos, comentei textos dos meus alunos no blogue da turma e …

… ouvi música.



sexta-feira, 9 de abril de 2010

De facto, escrever não é um acto fácil!

Quando lemos os nossos autores de referência, aqueles a quem aderimos quase que inconscientemente e que nos emprestam as palavras que fazem nossos dias de pensar, não realizamos a busca que exerceram no seu próprio léxico para dele nos oferecer o melhor, o mais assertivo, convincente e ilustrativo.

Mas logo que desejamos ocupar o lugar de autor, nos ilibamos da responsabilidade da busca e, com um despretensiosismo assumido, vamos desculpando a preguiça em rever e repensar aquilo que arrumamos para nós, revelando pouco, raramente de qualidade significativa, mas sempre na secreta esperança de uns quantos (ou poucos) leitores chegarem às nossas palavras, para fazer brilhar a auto-estima.

Quando iniciei estes ditos & escritos, mais que sabia que um dia iria ilibar-me da pouca produção, mas há momentos em que há que escrever e que passar para os outros, sejam quem for, o que vai na alma.

Nem que seja, a confissão pura e dura de que, de facto, escrever não é um acto fácil.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Resíduos!

Um destes dias dei-me conta de que o meu respeito pelo ambiente já conheceu melhores dias.
Tão simples como isto …
No habitual processo, anterior à deposição de um saquinho de lixo à minha porta, para recolha dos serviços municipais, dei-me conta de que havia elementos que, normalmente, eu segregaria e canalizaria para outro destino sem que, contudo me importasse.

O lixo foi … mas ficou um certo desconforto!
Um desconforto estranho, o desconforto de quem está habituado a cuidar, de quem diz à menina do supermercado que pode juntar vários produtos no mesmo saco, de quem usa pilhas recarregáveis e prefere embalagens de reutilização, que composta os orgânicos, que separa os vidros, os metais e plásticos e… encontra agora justificação plausível para se importar menos e menos com o seu desempenho.

Porque hei-de ser voluntarioso e pagante?
Porque hei-de pagar cada vez mais e mais taxas sobre resíduos que não produzo de forma associada a consumos que não se relacionam.
Porque vejo, sem réstias nem sinais de penalização, deposição absurda de detritos e resíduos ao longo das nossas estradas?
Porque vou depositar ao ecocentro os cartões que inevitavelmente acabo por juntar em casa e digo ao funcionário o meu nome … inconsequentemente?
Sei que a penalização pelo incumprimento, em Portugal parece ser contraproducente e fazer passar por vítima o infractor condenado e por herói o mesmo quando consegue esquivar-se.
Então… usem-se os procedimentos inversos!
Ao contrário de procurar, esperar, apanhar e castigar o infractor … estimule-se o comportamento respeitoso do ambiente e do direitos de todos a frui-lo limpo e cuidado.

Como?
Invente-se!

Usem-se as laureadas cabeças para pensar e não apenas para passear vaidades e promessas, em festas, feiras e propagandas.